Ciclo de aumento de juros vai ser maior.
A taxa juros Selic em 0,5 ponto percentual, para 8% ao ano, sinaliza um divisor para a política monetária. Essa é a opinião de Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso. Para o economista, o ciclo de aumento da taxa de juros pode ser mais pesado do que se previa. Ficando em torno de 200 a 250 pontos básicos, o que elevaria a Selic para o patamar de 9%.
Mendonça de Barros, sócio-fundador e estrategista-chefe da Quest Investimentos, não vê contradição entre o aumento maior dos juros. O crescimento fraco do PIB, que foi de 0,6% no primeiro trimestre. Compromete a renda das famílias e reduz o consumo. A seguir, trechos da entrevista:
Valor: Como o senhor avalia a decisão do BC de elevar a Selic em 0,5 ponto no dia em que foi anunciado um crescimento fraco do PIB?
Luiz Carlos Mendonça de Barros: Foi uma decisão importante, exatamente por causa disso. O mercado já havia se conformado com um aumento de 0,25 ponto percentual. Exatamente porque o PIB tinha vindo muito fraco. O aumento de 0,5 o BC teu oportunidade de reafirmar a independência e resgatar a credibilidade do sistema de metas de inflação. Para mim, foi uma surpresa, esperava um aumento de 0,25 ponto. Mas acho que pode ser um divisor de águas, no sentido de que o governo tenha acordado para a situação frágil da economia e que uma das causas para o PIB mais fraco é a inflação, que comprometeu a renda das famílias e reduziu o consumo.
Valor: Com isso, o BC melhora a comunicação com o mercado, uma vez que já vinha sinalizando que faria um aperto mais agressivo?
Mendonça de Barros: A leitura da grande maioria dos analistas era de um aumento de 0,25 ponto na taxa Selic. O BC mostrou várias vezes um comprometimento com o combate à inflação maior do que vinha comunicando até então, mas a grande maioria do mercado preferiu não entender essa comunicação e voltar a pensar como reagiria a presidente.
Valor: A decisão do BC por uma alta maior da taxa Selic neste momento antecipa o fim do ciclo de aperto monetário?
Mendonça de Barros: No comunicado, o BC faz uma ponte para o ano que vem. Certamente vai ser um ciclo de aumento de juros maior do que se previa. O mercado falava em uma alta de 150 pontos básicos, talvez 200 a 250 pontos básicos sejam números mais adequados. Então teríamos mais uma alta de 100 a 150 pontos básicos. O mercado terá que respeitar as palavras do comunicado. O BC destacou a ação dele no sentido de inverter a curva de inflação.
Valor: Um ciclo mais longo de aperto monetário pode impactar o crescimento econômico?
Mendonça de Barros: O crescimento está mais fraco justamente por causa da inflação. Não existe essa dicotomia. A queda do consumo está associada à inflação comendo a renda das famílias. Então trazer a inflação para um nível mais baixo, mais próximo do centro da meta, é a favor do crescimento. Contra o crescimento é a inflação sem controle, e o PIB mostrou isso de maneira clara.
Valor: A alta do dólar nos últimos dias pesou na decisão do BC?
Mendonça de Barros: O câmbio é um elemento importante no contexto da inflação hoje, mas não é o determinante. A inflação tem um componente muito relevante. Choque de oferta, seja por conta dos alimentos, seja por conta de gargalos da economia. Ao tomar a decisão de elevar a Selic em 0,5 ponto. O BC pode ter optado por fazer com que o mercado tenha agora uma arbitragem para ser feita naturalmente e atrair dinheiro para o Brasil, em vez de intervir no câmbio diretamente. Talvez o efeito seguinte seja a redução do IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] para estrangeiros para permitir que essa arbitragem substitua uma intervenção do BC no câmbio. Mas não é o melhor momento para fazer isso agora. Talvez em dois a três meses o ajuste já tenha sido feito por mecanismos de mercado e aí eu acho que o governo deveria retirar o imposto porque não tem mais essa situação que nos levou a colocar o IOF lá atrás. Mas ele precisa ser retirado em um momento em que não pareça ser uma decisão desesperada para atrair recursos para financiar o ajuste na conta corrente.
Valor: A entrada de recursos externos para investimento em carteira pode ajudar a financiar o déficit em conta corrente, que já chega a 3,04% do PIB?
Mendonça de Barros: Não tenho preocupação com o déficit em conta corrente. Se você somar o investimento direto neste ano o Brasil está financiando com sobra esse déficit.
Valor: A recuperação da economia americana e o aumento do rendimento dos títulos do Tesouro dos EUA podem limitar o fluxo de investimento para o Brasil?
Mendonça de Barros: Os EUA está apresentando uma recuperação, mas não vai ser suficiente para atrair o dinheiro do mundo. Evidente que o juro mais alto nos EUA é um fator de fortalecimento do dólar. De entrada de recursos no mercado americano, mas isso não é monopólio. Enquanto outros países estão reduzindo as taxas de juros, o Brasil está subindo os juros.
Fonte: Valor Econômico